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terça-feira, 21 de março de 2017

Colunista da Cadência escreve sobre uma disputa de samba que marcou o carnaval de Niterói

De volta à Cadência, o colunista João Perigo relembra um fato que marcou a história das disputas de samba enredo em Niterói. Ano em que a Unidos do Viradouro de ao Carnaval uma de suas mais belas obras. Confira
Amor em Tom Maior…
por João Perigo

O ano:1980! E lá se vão 37 carnavais desde a morte de um dos maiores ícones da folia em Niterói: O gordo Albano.

Em abril daquele ano, após uma grande confusão referente à prestação de contas do Carnaval de 1980, afastado da presidência, a Unidos do Viradouro de repente se viu sem seu grande líder. Como seria a folia em 1981? Teria a escola forças para continuar competitiva?

Assumindo interinamente (até as eleições de Junho), o vice-presidente Antônio Pereira jurou prosseguir o trabalho de seu mentor Albano.

Assim o fez. Apesar de trocar o enredo (Que falaria da Bahia) para 'Amor em tom maior', manteve boa parte da equipe pensada pelo antigo presidente, inclusive o carnavalesco Elói Machado, consagrado destaque e figurinista atuante no carnaval da cidade do Rio de Janeiro.

Elói desenvolveu o enredo baseado na expressão de todas as formas de amor, inclusive as que as pessoas não vêem, como à natureza, às crianças e o platônico. Estava ciente do desafio que tinha em mãos: unir novamente uma escola emocionalmente abalada, através de um enredo de forte apelo. Ao final o samba venceu. A comunidade se fortaleceu com a perda e se preparou para o sonhado bicampeonato.

Começavam então as disputas de Samba Enredo. Para o carnaval de 1981 foram 16 obras inscritas, num modelo bem mais dinâmico do que o que estamos atualmente acostumados. Na primeira apresentação logo um corte de oito obras. No dia seguinte mais quatro sambas estavam fora. Enfim, estavam escolhidos os finalistas: Edinho; Tim; Odair Conceição, Silvinho e Zelito; Passarinho e Martinho de Souza. As obras foram ensaiadas à exaustão juntamente com o bateria de Mestre Aloísio.

Então, 16 de Novembro seria o grande dia. Compositores reuniam suas torcidas e preparavam seus fogos, os intérpretes e músicos já ensaiavam os sambas, quando, num golpe irônico do destino, acontece o inesperado…

Após um desentendimento entre policiais militares na quadra se inicia um intenso tiroteio. Quebra quebra, crianças pisoteadas e, infelizmente, três pessoas baleadas. Entre elas a sambista Isaura, que aproveitava o samba na quadra sem imaginar que algo tipo poderia contecer. Agora veja como são as coisas: Quem a socorreu foi seu ex marido, do qual havia se separada há menos de uma semana, que estava na quadra justamente para tentar uma reconciliação. O enredo se confunde com a vida real. A tragédia toma conta da folia.

Após o ocorrido a secretaria de segurança acaba proibindo o porte de arma por parte de policiais em quadras de escolas de samba e torna o policiamento nesses locais mais intenso.

A diretoria então julga seguro transferir a grande final para o domingo seguinte, dia 22, a partir das 20 horas. Finalmente os concorrentes se apresentam e embalam a quadra do Barreto, são seis passadas à capella e mais seis acompanhados da bateria. Ao fim da noite o samba do trio Passarinho, Zelito e Silvinho se sagra o hino oficial da Unidos do Viradouro para o carnaval de 1981, tendo sido avaliado pela imprensa especializada à época de forma positiva, com uma melodia elogiada e de fácil assimilação, uma letra bem colocada e empolgação garantida na quadra. É interessante notarmos que já àquela época a Viradouro apresentava em suas finais torcidas ensaiadas, com estandartes de mão e muita animação.

Os outros sambas, apesar de estarem à altura de uma grande final apresentavam cada um seus problemas: a obra de Martinho de Souza possuia uma melodia de gosto duvidoso, o intérprete da parceria de Tim acabou errando a letra e o samba de Odair Conceição, apesar de possuir bons refrões, caia no lugar comum muitas vezes, como no verso: `Viradouro está com o povo, minha gente`.

A escolha foi do agrado da comunidade, que, praticamente de forma instantânea abraçou a obra.

Seguiam então exaustivos ensaios, até que às vésperas do desfile acontece o pior. A escola acaba ficando sem presidente e sem dinheiro em caixa, após o tesoureiro desfalcar a agremiação, desviando todo o lucro gerado pelos ensaios de quadra. O reflexo foi o colossal atraso na montagem das alegorias e de todo o trabalho de barracão.

Enfim chegou o carnaval… A Viradouro entrou logo após a Acadêmicos do Cubango, que havia enfrentado problemas na harmonia. Encontrou uma plateia já cansada pelo adiantar da hora. Encerrou seu desfile já depois das oito da manhã, e, apesar dos problemas, agradou o publico, que a ovacionou como campeã.

Apenas quatro alegorias chegaram a desfilar, duas quebraram no caminho entre o barracão e a passarela. Arlequins, pássaros, cavalos e palhaços encantaram a platéia. Problemas de evolução foram perceptíveis, mas não tiraram o brilho da festa. Após o desfile, o publico finalmente empolgado tomou a avenida e, acompanhado pelos 250 ritmistas, formaram um grande bloco, quando finalmente pôde se ouvir o samba cantado a plenos pulmões por todos ali presentes. Parte da bateria veio em um palanque, que apesar de criticado à época, podemos ver hoje como precessor do desfile de 2007, quando os ritmistas vieram no alto do carro alegórico.

Após a leitura das notas, o samba garantiu 10 e ajudou a escola a conquistar o Bicampeonato. Após um ano difícil, de altos e baixos o espírito sambista falou mais alto, uma comunidade unida foi o principal elemento para um grandioso desfile._________________________________________________________________________________
João Perigo é compositor e pesquisador do carnaval.
Autor do livro "Carnaval de Niterói - O Resgate das Memórias Esquecidas", onde realiza um estudo sobre a história do carnaval niteroiense, especialmente dedicado a Combinado do Amor, Souza Soares, Sabiá e Corações Unidos.
Na Cadência, João vai abordar os sambas enredo e a sua relação com a memória do carnaval.




Outras colunas do João Perigo:
Sossego e Oceânica. Em se plantado tudo dá

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