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sexta-feira, 1 de abril de 2016

Vila Isabel: 70 anos ensinando a liberdade.

Nosso colunista Professor Mariano, desta vez mergulha nos 70 anos de uma das mais importantes escolas de samba do Rio de Janeiro. A Vila Isabel. A crônica dessa semana vai além do elo entre o bairro e Noel, e se aprofunda na vocação histórica da Escola, a começar pelo seu nome, passando pelos enredos que exaltam a Liberdade. 
Confira!

Vila Isabel: 70 anos ensinando a liberdade. 
por Professor Mariano

No próximo dia 4º de abril a nossa querida Unidos de Vila Isabel completará 70 anos de existência. Geralmente, quando se quer contar ou refletir sobre a história desta tradicional escola de samba do Rio de janeiro, se começa fazendo um elo no triângulo amoroso entre o genial compositor Noel Rosa, o bairro de Vila Isabel e a escola de samba.

Nesta minha coluna que se propõem hoje homenagear a nossa Vila vou fugir um pouco desse senso comum e vou lembrar-me destes 70 anos da história da Vila por outro prisma. O prisma da liberdade. Em toda a sua história, a liberdade esteve presente na trajetória da escola de Noel. A começar pelo seu nome. Princesa Isabel foi uma mulher que acabou oficialmente com a escravidão no Brasil. Ao fazê-lo, referendou a luta que os negros travaram pela liberdade durante todo o tempo, em que a chaga da escravidão perdurou como lei no Brasil.

Portanto na construção da sua identidade a Vila Isabel carrega o germe da liberdade. Não só isso, mas traz no seu nome, a presença feminina, que historicamente lutou e conquistou sua liberdade perante a sociedade machista. Tendo a princesa Isabel oficializado o fim da escravidão, a Vila Isabel se torna uma escola de samba que nasceu ensinando o seu povo a ser livre de qualquer opressão.

Em 1946 ano em que a Vila Isabel foi criada, estava se desmoronando vários sistemas totalitários no mundo. Dentre eles, o Estado novista Varguista. Com toda esta identidade libertária a Vila protagonizou em seus desfiles e sambas enredos momentos de resistência e clamor político que marcou sua história e da cultura brasileira. Vou agora falar um pouco destes momentos.

Em 1972 em pleno andamento do governo facínora do General Médici, a Vila veio cantando o extraordinário samba de Martinho da Vila Onde o Brasil Aprendeu a Liberdade. Nele o genial compositor, desmistifica aquela máxima que no Brasil os problemas políticos e sociais sempre foram resolvidos com tratados e acordos. Para Martinho e a rapaziada da Vila, o povo pobre e marginalizado buscou sempre através da luta sua liberdade desde Brasil colônia.

Em 1980 quando a ditadura militar já dava sinal de desgaste, a Vila da outra aula de democracia, liberdade e amor ao ser humano. Ao enredar o consagrado poema do escritor comunista Carlos Drummond de Andrade Sonho de um Sonho. A Vila grita pela volta da democracia e dos Direitos Humanos sob a ode popular do samba enredo. Samba este de autoria de Martinho da Vila, Rodolfo de Souza e Tião Graúna. Vale lembrar ainda, que com este belo samba, a Vila fez um grande desfile e ficou em segundo lugar. Outro fator de destaque neste carnaval de 1980 é que quem presidia a Vila Isabel era o grande Paulo Brazão. Compositor de mão cheia e ao lado do Velho China um dos fundadores da Escola do Morro dos Macacos.

Já com o fim da ditadura militar, a Vila vai viver o seu momento áureo como escola de samba. É claro que vocês já sabem que estou me referindo a Kizomba a Festa Raça. Enredo que a Vila trouxe para a avenida, para celebrar os cem anos da abolição da escravatura e que lhe rendeu seu primeiro campeonato num total de três conquistas.

É bom enfatizar que este desfile foi um coroamento de um processo de democratização e liberdade que a própria escola vivia naquele momento. E que processo era este?

Em 1987 Vila Isabel elegeu pela segunda vez, uma mulher para presidente, a primeira foi à pernambucana Pildes Pereira, eleita indiretamente em 1973. Em 1987 foi diferente Lícia Maria Maciel Caniné, conhecida como Russa, foi eleita diretamente para ser a Presidente da escola. A gestão de Russa, uma militante do partido Comunista e mulher de Martinho da Vila, substituía gestão autoritária do Bicheiro ligado à ditadura militar, Aílton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, que se desligou da escola para assumir LIESA.
A Kizomba da Vila, um dos marcos da Sapucaí

Num clima, “mais” leve e democrático, Martinho e a comunidade negra do Morro dos Macacos, organizaram um desfile que consagraria a Vila como campeã do carnaval e transformaria a passarela Darcy Ribeiro numa festa da raça. Kizomba foi um desfile com a cara da Vila Isabel e do seu povo. Por pouco mais de uma hora, a Vila mostrou, contou e cantou para toda a sociedade carioca e o mundo, a saga da raça negra, que ali mostrava a sua cultura e história e celebrava sua liberdade ao som do inesquecível samba de autoria do fantástico Luís Carlos da Vila, Rodolfo e Jonas. A Vila com seu desfile impar, pois naquele ano de 1988 não teve desfile das campeãs, devido uma forte chuva que caiu na cidade do Rio na semana posterior ao carnaval. Agradeceu ao grande líder negro Zumbi dos palmares com a saudação que ajudou a imortalizar o grande samba da Vila. Valeu Zumbi! 

1989 foi um ano marcante na História do Brasil. Depois de décadas o povo volta às urnas para votar para Presidente da República. O clima no país era tenso e de muito descontentamento social com o governo decadente do filhote da ditadura o maranhense José Sarney. Pegando carona nesse clima e mantendo a tradição da escola pela luta dos direitos do cidadão. A Vila vem com o enredo Direito é direito. Nele a escola prega o cumprimento da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948. A Vila vem denunciando que a justiça é cega e atua quando quer, para atender os mais necessitados. No ano anterior a Vila festejou a abolição da escravatura. Um ano depois, ela vem com um belo samba dos compositores Jorge King, Serginho Tonelada, Fernando Partideiro e José Antônio dizendo que era hora da verdade, pois embora livre o pobre não estava feliz, pois não tinhas os direitos básicos para a formação de uma cidadania completa. O direito civil, político, e social.

Em 1990 o Brasil ver a posse do primeiro presidente eleito pelo voto direto, após anos de autoritarismo político que vinha desde o golpe de 1964. Assume o cargo o ex Governador de Alagoas Fernando Collor de Melo. Conhecido na época com caçador de marajás. Pois pregoou durante sua campanha, que na sua gestão pública como Governador do Estado de Alagoas, perseguiu e exterminou os funcionários que tinham privilégios econômicos. Com um discurso messiânico Collor caiu nas graças do povão e derrotou Lula nas eleições de 1989. Seu governo foi um desastre e ele foi retirado do poder acusado de corrupção pelo próprio irmão. Neste ano a Vila encerra sua tríade de enredos que celebravam e gritavam por liberdade. Se Esta Terra Fosse minha clama por uma reforma agrária e paz no campo. Com um samba lindíssimo de autoria de Jorge Tropical, Jorginho Pereira, Antônio Grande, Bombril e Aninha. A Vila mostrou que desde o período colonial a terra foi negada ao povo trabalhador. Em seu lugar, foi instituído o latifúndio com todo o aparato da lei do Estado para combater, a luta do camponês pelo seu quinhão de terra. O clima pela posse da terra no Brasil no início da década de 1990 era muito tenso, o fato mais emblemático foi o assassinato do líder sindical acreano Chico Mendes em dezembro de 1988 a mando dos latifundiários.

Para encerrar este artigo, não poderíamos deixar de fora, o enredo da Vila deste ano. Que foi uma justa homenagem ao ex Governador de Pernambuco Miguel Arraes. Que por ter feito um governo que trouxe liberdade para seu povo sofreu ataque dos inimigos do sistema político dominante. Com um sambaço composto pelos consagrados Martinho da Vila, sua filha Martinália, André Diniz, Arlindo Cruz e o saudoso Leonel brutalmente assassinado antes do carnaval. A Vila mais uma vez pisou firme na avenida para defender a liberdade e a democracia popular. Memórias do pai arraia contou a saga do Governo de Miguel Arraes que foi eleito pelo povo em 1962, derrotando o candidato da conservadora UDN, partido que defendia o grande latifúndio em Pernambuco. Durante sua gestão Arraes democratizou a sociedade pernambucana e deu liberdade ao seu povo. Através da Educação e de melhor distribuição de riquezas. Com o golpe de 1964 dado pelas elites empresariais e Militares, Arraes foi derrubado e obrigado a se exilar na Argélia. Assim era interrompida a saga democrática popular do pai Arraia.

Portanto meus caros leitores ao completar 70 anos de história esta magnífica escola de samba já deixa como legado a meu ver, a luta pela a liberdade do seu povo. Através dos seus sambas e enredos, Vila Isabel protestou e lutou por cidadania e democracia popular. Tal luta nunca deixará de existir nesta fantástica comunidade dos Macacos e Pau da Bandeira. Como fico bem evidenciado no refrão do samba da escola de 2016. Vem dançar o frevo e a ciranda, silenciar jamais! Parabéns Vila Isabel!
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PROFESSOR MARIANO

Historiador e pesquisador do carnaval, um dos fundadores do projeto Cadência da Bateria. 



Em suas colunas aborda o carnaval considerando os aspectos políticos e sociais e a importância dos desfiles para a construção da memória da cultura popular.
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